Shimla, a lady Penn e os saudosistas
Um dos grandes «best-sellers» Esta noite a liberdade dos autores Dominique Lapierre e Larry Collins, entre outros episódios, faz referência à cidade de Shimla (presentemente capital do estado indiano de Himachal Pradesh) localizada nos contrafortes dos Himalaias.
Quando em 1858 os ingleses ocuparam pela força o subcontinente indiano e estabeleceram a capital, primeiro em Calcutá e depois em Nova Delhi, verificaram que o clima entre maio e setembro era insuportável para os europeus. Assim, a partir de meados de abril, desde o vice-rei até aos embaixadores estrangeiros, partiam para Shimla, capital de verão, com um clima mais ameno, levando atrás de si todo o pessoal e objetos necessários; guardas, secretários, criados, alfaiates, cabeleireiros, ourives etc., carregadores, mobílias, arquivos, vinhos e licores, lagostas, etc.
Os vice-reis alojados no Viceragal Lodge davam festas faustosas só para os europeus. O luxuoso hotel Cecil era outro polo de atração. O centro da cidade, o Mall, estava interdito aos indianos. Nem mesmo os marajás e os oficiais indianos da alta patente do exército colonial estavam autorizados a percorrerem essa larga rua na sua própria terra!
Quando o último soberano, antes de 1947, data da independência da Índia, Luís Mountbatten, aí se instalou, essa vida faustosa tinha desaparecido e já era permitida a presença dos indianos, desde que estes não exibissem o traje indiano. Facto curioso: O colonizador português também fez a mesma exigência aos nativos de Goa quando estes se deslocavam das aldeias para às cidades.
Em 1973, os autores do livro conheceram a senhora inglesa Penn Montague com 89 anos de idade, viúva que se tinha oposto à independência da Índia. Vivia numa enorme mansão, que tinha herdado do seu tio, um ex-ministro do governo colonial, com quatro criados e uma data de animais. Para evitar a Índia independente, livre e democrática, ela deitava-se ao nascer do sol e acordava às 4 da tarde e tomava o pequeno-almoço. Durante a noite ligava o rádio e ouvia notícias da BBC de Londres.
Portanto, estava acordada durante toda a noite e dormia quando o glorioso sol indiano brilhava lá fora. Terá tido, como os morcegos, uma vida miserável e triste até a morte. Os saudosistas queixaram-se:- Antigamente é que era bom.
Em todas as épocas pessoas agarradas ao passado não conseguiram adaptar-se às mudanças operadas pela dinâmica da História. Foi assim em Shimla e é assim com os retornados das ex-colónias portuguesas. As saudades roem a alma. Fecham-se em grupos isolados, jantares, encontros, velhas amizades com ideias idênticas. Lamentam-se:- Antigamente é que era bom apesar da ditadura e a democracia é coisa má.
Felizmente, por um lado há pessoas inteligentes da velha geração que acompanharam os ventos de mudança, e por outro lado, as novas gerações foram feitas para as mudanças marcadas pelo ritmo do movimento da translação do planeta Terra à volta do Sol.